Maria Inês Delorme
É frequente as crianças buscarem os adultos, também seus professores, para conversar sobre suas vidas fora da escola. Elas buscam, assim, estabelecer relações de proximidade, menos formais, à busca de identificação, do estabelecimento de relações de pertencimento, de participação e de encontro. Quase sempre os adultos são os responsáveis pela negação da participação infantil na vida que levam e, também, nas que lhes são apresentadas, representadas, anunciadas, vendidas e enoveladas pela televisão.
Neste dia, Noé se passa por um apresentador de TV fazendo do seu estojo um microfone: “Eu sou Noé, boa noite! Eu sou da TV XX! O ônibus pegou fogo, eu tava dentro. Aí, o ônibus pegou fogo! A gente fugiu no carro. A polícia estava vendo, ali pertinho. Eu estava dentro do ônibus que pegou fogo na serra”, (referindo-se à Estrada Grajaú- Jacarepaguá, no RJ). E continua, agora já com alguns amigos em volta perto, ouvindo: “ eu, meu pai, minha mãe e minha irmã estávamos dentro do ônibus. O medo de nós era que a televisão filmasse a gente. Os bandidos podiam achar que nós éramos daquela comunidade. Meu pai dizia assim, ele gritava até: vamos, vamos rápido que nós não moramos aqui, Nós não somos daqui”. Ele seguia ofegante, com vontade de chorar, contando o seu drama enquanto era ouvido pelos amigos. E seguiu:
_ “Aí parou a moça do carro branco e viu minha mãe com meu pai correndo “com meu irmão no colo; ela parou, botou a gente dentro e fugiu com a gente dentro. Assim que nós nos salvamos de tudo. No dia seguinte só dava notícia disso, eu vi os ônibus incendiados mas eu não tava mais lá, na televisão.”
Para me aproximar dele, eu disse que havia tido acesso a muitas notícias sobre o fogo nos três ônibus, a serra. E então, muito assustado, ele perguntou: “mas você me viu na noticia?” Mais expressão de espanto e medo. Eu disse que não, claro que não, que eu só havia visto na televisão e lido no jornal o que ele me contara. Ele me interrompeu, e seguiu: “meu pai não queria que ninguém visse a gente na notícia, a gente saiu rápido com a mulher do Escort pra não aparecer. Deus me livre de verem a gente. A gente tem família lá na serra, que mora lá. Meu pai é trabalhador e minha mãe fica em casa com meu irmão e eu. A gente não faz crime nem é traficante pra ficar na notícia. Deus me livre.”
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