segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia da criança na mídia

Marcos Ozorio



Até por volta do século XII, a arte medieval
desconhecia a infância ou não tentava
representá-la.
É difícil crer que essa ausência se devesse
à incompetência ou à falta de habilidade.
É mais provável que não houvesse
lugar para a infância nesse mundo.
Philippe Ariés
fotografia de
arquivo pessoal

O Dia Internacional da Criança no Rádio e na TV (ICDB), promovido há cerca de 15 anos pelo Unicef, será comemorado este ano no dia 7 de março. O tema é Todos os direitos. Todas as crianças. A ideia é aproveitar a data para comemorar o 20º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, celebrado em 2009. A exemplo dos anos anteriores, emissoras de TVs e rádios, em todo mundo, estão convidadas para, neste dia, preencherem sua programação com conteúdo realizado por, para e sobre crianças e adolescentes.
“O direito à participação e à liberdade de expressão é essencial para o desenvolvimento dos adolescentes. Ao dar voz aos mais jovens, as emissoras têm a oportunidade de fortalecer meninas e meninos em seus conhecimentos sobre os meios de comunicação. Isso mostra a outros adolescentes que eles também podem se expressar. E mostra ao mundo o que os mais jovens pensam sobre sua vida e suas comunidades”, conclama o Unicef.


Estava lendo o convite acima lançado pela Unicef justamente no momento em que a personagem Rafaela, da telenovela Viver a vida, aparecia na tela de meu televisor. Não pude fugir da inspiração. Há algum tempo, Rafaela me provoca uma reflexão acerca da infância. Observando a personagem reencontro-me com um conceito, muito bem desenvolvido pelo historiador das mentalidades, o francês Philippe Áries: trata-se do conceito de infância de curta duração.
Rafaela é uma personagem muito semelhante com a descrição de infância do Ancien Régime que Ariés apresenta: um adulto em miniatura. Mergulhada no universo adulto desde muito cedo. Rafaela fala como um adulto, se comporta como um adulto enfim, Rafaela aspira ser um adulto e, já representa o papel do adulto. É um personagem dentro de outro personagem.
O mais incrível é que Rafaelita - como o personagem Garcia a chama - exerce uma atração assustadora sobre outros personagens e sobre nós telespectadores. Assustadora porque, entre os diferentes aspectos adultos manifestados pela personagem, talvez o mais marcante – e menos valoroso - seja o da menina ser uma tremenda de uma chantagista.
Devíamos estranhar essa característica da garota, mas ao contrário, nos encantamos. Sempre nos encantamos quando as crianças agem além dos padrões convencionais esperados da infância. É como se a infância fosse uma área sem graça da existência humana. A “graça” de Rafaela está justamente em não ser criança, ou melhor, em ser um adulto disfarçado de criança ou adulto em miniatura.
Pobre Rafaela teve a fantasia, a brincadeira, o jogo entre outros aspectos característicos da infância, roubados, subtraídos, sequestrados. Não tem amiguinhos da idade dela, não freqüenta uma escola. Afinal de contas, Rafaela é criança ou não?
Como acredito que os direitos a uma infância plena são inegociáveis e prioritários, estou convicto que Rafaela não expressa, de forma legítima, a voz de meninos e meninas na mídia.
Desta forma, aproveito esta semana para, a exemplo da Unicef, convidar nossos leitores a discutirem presenças mais efetivas e expressivas da infância na mídia.

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