sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"E eu sou povo?"

Maria Inês Delorme

Bruno e Greyson, de 7 anos de idade, comentam a imagem estampada na primeira folha de um jornal impresso carioca, na escola. Eram homens de terno com maletas que expostos, ali, reavivaram a memória de Bruno: “sim , eu já vi estes homens, na televisão!" Greyson continuou: “Juro uma coisa! Sabia? Eu juro que o telejornal dá notícias de coisas de verdade, que já aconteceram: siclano morreu, beltrano caiu aqui, caiu ali. Tão matando policial direto, agora até na casa deles. Bala, bala, bala. Só Jesus.”

Bruno, insatisfeito, retoma: mas eu estou falando destes homens aqui, do jornal. Eu vi estes mesmos aqui na televisão. Estes homens todos com mala são ladrões, com essa roupa de Brasília. Nas malas, tem dinheiro e armas. Também tem dinheiro seu ali. Dinheiro do povo, dentro naquelas malas! “

Greyson, então reagiu: “ o que você falou? Dinheiro meu ali? Eu nem tenho dinheiro nenhum! Você está maluco!” É? Perguntou Bruno, você acha isso? “Todo mundo diz que o dinheiro é do povo, que é tudo do povo.”

Greyson, desta feita, se sentiu ofendido e gritou irritado: “Seu burro! E eu sou povo? Por acaso você acha que eu sou povo?” Nervoso, ele pára para pensar, respira e continua: “Se tem dinheiro meu lá eu vou querer. Só se meu pai arrumou dinheiro, mas ele nem voltou do norte! Sei disso não. Só sei que se tiver dinheiro meu lá, eu vou querer. Ah, eu vou querer.”

Parecia ser parte deste diálogo, que teve a sala de aula como cenário, um desejo expresso pelas crianças de escapar da imagem da pobreza, por várias razões. Se, por um lado, elas percebem que a imagem de povo, em geral e também na mídia, se sustenta no que lhe falta como: moradia, emprego, dinheiro, acesso e oportunidades etc; por outro lado, e valem os mesmos motivos, eles expressam uma noção muito difusa, duvidosa, as vezes ameaçadora do que seja “ser parte do seu povo”.

Questões como estas que ocupam crianças e professores ainda não são reconhecidas, muitas vezes, como assuntos oriundos da mídia que chegam à escola e que, portanto, deveriam ser assuntos da/na escola. A própria programação televisiva parece investir nesta in (visibilidade) das crianças na mídia a medida que vem reforçando seu lugar reforçado como a diversão dos pobres e dos desfavorecidos.

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