terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Animações premiadas e suas narrativas

Regina de Assis

Esta época de férias oferece para crianças, adolescentes, suas famílias e professores, alguns filmes de animação que começam a receber prêmios prestigiosos como os Globos de Ouro, que precedem a cerimônia do Oscar americano. Há três filmes que merecem uma boa discussão: Avatar, Onde vivem os monstros e Up-Altas Aventuras.

É curioso observar o que dizem e escrevem alguns críticos, especializados ou não, sobre a propriedade destes filmes, para a infância e a adolescência, e aí se coloca um campo de análise muito interessante sobre o que é ou não adequado para este público.

Avatar, produto de um laborioso trabalho de criação e desenvolvimento - conduzido pelo diretor/ roteirista James Cameron e sua equipe, durante cerca de 10 anos - surpreende certamente pelos grandes efeitos especiais , seja em 35 mm ou em 3D, mas intriga mais pela narrativa que não se intimida em tratar de temas como o amor, a espiritualidade e a convivência sustentável com a natureza. A classificação indicativa do filme define que não é recomendado para menores de 12 anos, o que parece bastante correto, posto que o enredo intricado e as conotoções de crítica explícita à política externa americana, durante a era Bush, trazendo, em consequência cenas de intensa violência, não atrairiam, nem seriam aconselháveis para crianças.

Mas adolescentes já bastante acostumados aos enredos de jogos eletrônicos e ao que vivem a seu redor cotidianamente, podem ser levados a se interessar pela narrativa, que deveria ser discutida por seus familiares e professores, sempre que possível.

A fantasia, peculiar ao gênero da animação, suspende a realidade desde o início e, tanto em Avatar, como em Onde vivem os monstros, mesclam habilmente aquelas técnicas cinematográficas com personagens humanos, o que torna irresistível a viagem entre ficção e realidade, tão cara aos adolescentes que vivem o processo de constituição de suas próprias personalidades em relação com seu contexto sócio/econômico e cultural. Nesta perspectiva, temas como os afetos entre os seres (humanos e humanos, humanos e avatares, ou humanos e monstros) , a espiritualidade transcendendo a finitude e os limites dos seres vivos e abrindo novas perspectivas de compreensão sobre sua trajetória em quaisquer planetas (a Terra ou Pandora , por exemplo) e a indispensável convivência e desenvolvimento sustentável com a natureza são temas de inesgotável importância para quem educa, seja em família ou nas escolas.

Avatar acaba de receber os Globos de Ouro para melhor filme dramático e melhor diretor.
Onde vivem os monstros, baseado no adorável livro de Maurice Sendak (Max et les Maximonstres ou em português Max e os Maximonstros), lançado na década de 70, do século passado, encantou a crianças, algumas bem pequenas e seus pais e professores, que por meio das aventuras e traquinagens de Max puderam discutir sobre disciplina, regras de convivência, medos, imaginação e sempre os afetos que ligam mães e filhos.

Embora a classificação indicativa do filme não o recomende para menores de 10 anos, isto fica realmente a critério dos pais e professores pois, com certeza, o livro pode ser bem fruído por crianças pequenas, que estão justamente no processo de constituir suas estratégias para enfrentar o medo, a insegurança e a desafiar a autoridade de pais e professores. De todo modo, neste caso, a linguagem audio/visual do filme tem efeitos mais poderosos sobre as crianças, uma vez que associando sons e imagens em movimento, torna a narrativa mais real e próxima do imaginário infantil.

Nossa experiência de trabalho, ao criar e desenvolver animações com e para crianças, ensinou-nos a dialogar com elas e ouví-las muito para entender suas formas de conviver com as dificuldades da vida real e suas elaborações imaginárias e simbólicas, ao constituir conhecimentos e valores para a convivência social. Por isto vale observar as possibilidades de Onde vivem os monstros, dirigido por Spike Jonze e as discussões e descobertas que provocará junto às crianças e também aos adolescentes.

Up-Altas aventuras, animação da Pixar/Disney, roteirizada e dirigida por Peter Docter e Bob Petersen, lançada no ano passado, mas premiada agora com os Globos de Ouro de melhor animação e melhor trilha sonora, é um filme em 3 D, que também pode ser visto em 35 mm como Avatar. A festa para os olhos e ouvidos que esta produção audio/visual provoca é irresitível, acoplada a uma narrativa interessante que confronta os universos de um idoso e suas memórias, com o de um menino escoteiro de 9 anos, vigoroso e animado, disposto por isto a grandes aventuras. O cenário latinoamericano dos tepui (montanhas com o topo achatado) da Venezuela e o Monte Roraima no Brasil são os grandes motivadores das peripécias e fantasias vividas pelos dois personagens principais e outros, como o pássaro Kevin e o simpático cão falante Dug, junto a um vilão e suas maldades. A narrativa plena de humor e inesperados pode propiciar ótimas discussões entre familiares e professores, junto a crianças e adolescentes, motivando-os a fazer pesquisas e desdobrar outras possibilidades de descobertas.

É evidente que o olhar crítico dos adultos responsáveis por crianças e adolescentes há de dimensionar os limites e falhas dos três filmes comentados acima, mas a mídia cinematográfica, ao utilizar a rica linguagem audio/visual, é um recurso inestimável em mãos de pais, responsáveis e professores, que podem ampliar e aprofundar conhecimentos e valores de crianças e adolescentes, acerca de sua vida e da rica diversidade de narrativas com que contamos neste início do Século XX1.

3 comentários:

  1. Interessante notar as semelhanças e diferenças de temática e abordagem entre "Up!" e o desenho animado "Matinta Perera", da premiada série "Juro que Vi".
    Nesse, uma menina descobre a possibilidade de convivência com uma idosa, portadora da sabedoria e da experiência, que encaminha novas possibilidades e transformações, enquanto que naquele é o idoso que se redescobre afetivamente na relação com a infância e a natureza (representada pelos animais).
    Aí temos dois belos exemplos de como, atualmente, vão-se esvaindo a infância e a velhice, afastando-as cada vez mais, para se afirmar o primado de uma "juventude eterna", prometida através do consumo exacerbado e da obsolescência acelerada dos produtos.

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  2. Querida Regina,

    Diferente do que afirmaram as críticas, achei que não havia problema em levar Nicholas pra assistir Avatar. Assistimos em Nova York, em 3D, numa sala IMAX, o que fez tudo crescer ainda mais em proporção.
    Engraçada essa questão da violência, sabe?
    Tenho um filho que não brinca com arma, não curte desenhos violentos, não gosta de jogos com lutas e não se ajeita no futebol porque é preciso de uma dose de agressividade para disputar a bola e levar chute na canela.
    Depois que assistimos Avatar, conversamos sobre a mensagem de James Cameron. O filme não existia por causa da violência e não era ela a questão essencial que devíamos ter guardada no coração depois do The End.
    Falamos sobre rede, sobre o "network" que o filme ressalta e valoriza tanto. Falamos sobre links, sobre conexões e sobre a essência do que verdadeiramente importa.
    Comentamos que animais estão ameaçados de extinção porque, num dado momento alguém quebrou um elo da corrente.
    E a conversa seguiu, linda!
    Eu podia dividir as imagens de Avatar com o meu filho porque ele não estava ali com fome de tiros ou socos. Nele as imagens não causaram pânico porque ele entende serem parte de uma obra de ficção.
    Ao mesmo tempo ele compreendeu que existem fatos na vida de todo dia aos quais precisamos prestar atenção e que com arte também se faz isso.

    Posso ser a mãe irreverente por ter arriscado, mas digo uma coisa pra você: o que o filme nos rendeu não tem preço!

    Parabéns pelo novo projeto!


    Adriana Hollenbeck
    - Watertown, WI - USA -

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  3. Caros Anônimo e Adriana,

    Seus comentários são muito oportunos e inspiradores .
    A relação entre as gerações, em especial durante a infância e a velhice, estão bastante fragilizadas e filmes como Up/Altas Aventuras ou a premiada Série - que criamos e produzimos , quando ainda na MULTIRIO - " Juro que Ví ", no episódio Matinta Perera, tratam com delicadeza e vigor das possibilidades de encontros e re/encontros entre crianças e idosos.

    Já Avatar e tudo o que o filme pode elicitar, é essencial para provocar boas discussões sobre a vida em nosso Planeta, nossas possibilidades e limites e a compreensão espiritual sobre outras dimensões e modos de vida.
    Seguiremos o diálogo, muito grata,abraços,
    Regina de Assis

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