Maria Inês Delorme
Estudiosos canadenses dizem que sim. Eles acompanharam 1.314 crianças nascidas em Quebec, em 1997 e 1998, ”com idades entre 2 anos 6m e 4 anos 6m, até chegarem aos 10 anos”, segundo a reportagem do The Independent, informando que tal pesquisa foi “publicada na última segunda-feira, no Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine”. O referido estudo foi acompanhado por profissionais de TV e por professores, tendo sido considerado como dado relevante o número de horas semanais diante da TV. No caso, em média, as crianças menores viram 8,8 horas e os maiores, 15horas semanais, por semana. A partir disso, os canadenses concluiram que as crianças menores, que passaram mais tempo diante da TV, “tornaram-se piores em matemática, comiam mais junk food e estavam mais suscetíveis a bullying de outras crianças”.
Para ser feita uma reflexão consequente desta pesquisa, seria necessário conhecer o estudo em questão na sua integralidade, pelo menos para tornar possível conhecer como se identificou, por exemplo, a existência de uma maior ou menor suscetibilidade a situações envolvendo bullying, quando com outras crianças.
Como professora e pesquisadora na área da Infância da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, eu me pergunto, ainda, como os pesquisadores concluíram que as crianças “tornaram-se piores em matemática” sem que tenha sido utilizado um determinado “a priori“, genérico, que tenha servido como um parâmetro regular para todas as suas crianças da devida faixa etária. Ou seja, salvo algum erro de versão para o português, a expressão “tornar-se pior” só tem significação relevante se empregada diante de um parâmetro pré-estabelecido do que seja o esperado, o melhor.
Esta valoração, por sua vez, devido à inexistência de um contexto para tais (implícitos ou discutíveis) parâmetros, parece-me bastante questionável.
Uma outra questão que precisaria ser respondida se refere às condições de recepção dessas crianças. O número de horas diante da TV, a meu ver, não pode ser analisado isoladamente sem que estes sejam cruzados com outros elementos igualmente importantes. Entre eles, questiona-se: com quem as crianças vêem TV, sozinhas ou acompanhadas? Se há companhias, são adultos, são crianças, ou ambos? A que programas assistem? Quem escolhe o que eles vêem? Qual é horário em que assistem? Etc.
Não são poucos os estudiosos que se debruçam sobre o “fenômeno da televisão”, também sobre a importância do que Orozco chama de “múltiplas mediações” para agrupar elementos que impactam a relação entre as pessoas, também as crianças, e o que vêem na televisão. Outros estudiosos como Barbeiro, Canclini, Roger Silverstone etc. não analisam a TV fora desta relação inquietante e instável, nem sempre pacifica, dialógica e de mão dupla que exige situar a televisão em cenários demarcados de vida, nos tempos, espaços e culturas de que se insere. Neste viés, o que a TV pode vir a fazer com cada pessoa é o resultado não de uma, mas de infinitas variáveis que, inegavelmente, se relacionam ainda diretamente ao modo com que cada um se “envolve ou significa sua vida” com a televisão (de forma que esteja cada um em seu tempo, no seu grupo, em sua cultura). Que lugar, menos geográfico e mais sociocultural, a televisão ocupa na vida de cada crianca e de sua família, nesta e em tantas outras pesquisas concluidas e/ou ainda em andamento?
Pode-se dizer que a população infantil brasileira, bem como a da América Latina tenham alta peferência pelos audiovisuais e que, por isso, ocupem grande parte do seus dias diante da televisão.
Como profissional desta área, afirmo sem medo que as crianças não são – nem nunca foram – receptores passivos do que é veiculado na televisão e a esta última não cabe mais a adjetivação apenas de boa ou má para a infância. Também não parece haver dúvidas de que, hoje, seja por meio (principalmente) da TV que as crianças e os adultos tomem parte e interatuem nos dilemas culturais do seu tempo; e que, por meio dela, sejam chamados a refletir sobre a vida nas cidades, sobre os arranjos familiares atuais e, ainda, sobre o destempero alimentado por critérios econômicos e comercias que valorizam o ter em detrimento do ser.
Ainda que seja difícil reunir argumentos para afirmar que a televisão seja nociva e que, portanto, possa fazer mal para as crianças com até 3 anos de vida, não é difícil sustentar que não exista qualquer indicação para que isto aconteça, nesta fase. Não creio que ela chegue a “fazer mal”, mas a considero inadequada para crianças bem pequenas que precisam ter alimentada a vontade de se expandir, de agir. A meu ver, tudo o que pode ser interessante para suas vidas não depende nem acontece na/nem diante da televisão, mas está relacionado à sua ação exploratória sobre o mundo, junto com outras crianças, quando deverão ser estimuladas a mexer, correr, pular, cantar, dançar, descobrir, ouvir histórias encantadas e muito mais.
Um pouco mais tarde, dos 4 ou 5 anos em diante, a TV pode lhes oferecer alguma programação que agrade, como certos desenhos animados, programas infantis em que se contam histórias etc., mas é inegável a baixa qualidade e a oferta restrita de programação destinada à criançada brasileira em sua rica diversidade.
Mesmo assim, devemos usar apenas de bom senso para afirmar que tudo em exagero não seja bom para ninguém, nem para as crianças. Há um rol de elementos simples, adoráveis e indispensáveis a uma infância feliz. Ler livros de literatura infantil e/ou ouvir suas histórias são práticas totalmente recomendadas para as crianças.
Brincar de bonecas e de bolas com amigos é igualmente recomendável, sobretudo ao ar livre, em segurança e com liberdade. Alimentar-se em quantidade adequada e de alimentos saudáveis é esplêndido. Poder dormir quando se tem sono é recuperador. Ver televisão pode ser uma diversão bem legal. No entanto, se uma criança dormir o dia todo, comer sem parar, ler seguidamente, só brincar na rua e/ou ficar vendo televisão continuadamente... que seja acesa uma luz amarela bem grande! Algo de muito errado está acontecendo e os adultos precisam agir com firmeza e precisão.
Na busca de uma infância integral e feliz, mesmo que muito ainda precise ser conquistado, vale conhecer e ter acesso às pesquisas da área, mas vale, também, uma boa dose de equilíbrio em que os termos “tudo e nada”, “sempre e nunca” não façam parte da defesa de crianças que têm direitos iguais, que passam por fases semelhantes no caminho para a vida adulta, do ponto de vista da formação humana, mas que são muito diferentes entre si.
Critérios generalistas e que tomam as crianças como se fossem todas iguais não atendem ao Estatuto de Criança com que trabalhamos, não respeitam suas identidades individuais e coletivas, além de não se coadunarem com o mundo em permanente processo de transformação.
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