Marcia Stein
“A autonomia pressupõe uma relação com os outros. Não existe a autonomia pura, como se fosse uma capacidade absoluta de um sujeito isolado. Nesse sentido, trata-se da perspectiva da construção de relações de autonomia. Por isso só é possível realizá-la como processo coletivo que implica relações de poder não-autoritárias.” (PCN: apresentação dos temas transversais/Ética, 2000)
Assistir TV é bom? É importante para a formação de jovens cidadãos? E ouvir rádio? Essas mídias podem e devem ensinar, ou devem manter seus objetivos de informar e entreter? O acesso à Internet é importante, mas será que pais e educadores devem orientar a navegação? Ler é fundamental, todos parecem concordar, mas, devemos ler de tudo – jornais, quadrinhos, revistas – ou somente livros? Qual é a importância do cinema para a formação da cidadania? Quais são os melhores caminhos para utilizar esses veículos com objetivos pedagógicos? Nesse caso, devem ser utilizados apenas formatos e conteúdos desenvolvidos para fins pedagógicos?
Devem os educadores intervir na interação de alunos com as informações veiculadas pelos meios de comunicação? Devem orientá-los acerca de cuidados? Estas são algumas perguntas que frequentam debates entre educadores, psicólogos, familiares e todos aqueles que se preocupam com causas que dizem respeito ao desenvolvimento saudável dos jovens, em casa, em cursos de formação ou em demais contextos sociais e profissionais.
Essa dúvidas vêm gerando infinitas discussões sobre a produção de mídia para crianças e adolescentes, que estão construindo suas bases culturais e os valores que levarão ao ingressar no mundo do trabalho e das interações sociais.
Mas, antes de apressarmo-nos a responder essas perguntas, que tal pensar sobre responsabilidades?
Até porque, antes de se adotar posturas radicais de ataque ou defesa, é preciso lembrar que os meios de comunicação, em si, não devem ser vistos como bons ou maus, mas como canais, meios, instrumentos utilizados pelas pessoas - de um lado, quem produz - escritores, autores, criadores em geral - de outro, quem ‘recebe’: leitores, telespectadores, ouvintes, internautas. É preciso lembrar que são as pessoas que utilizam os meios – e seus projetos e intenções ao utilizá-los - que devem ser alvo de análise crítica, debate, reflexão.
Devemos, ainda, ter claro que, em tempos de tv digital, blogs, webcams, wikipedia, twitter e redes sociais, as fronteiras dessa relação emissor-receptor tornam-se cada vez mais dinâmicas, ou seja, alternam-se os papéis de emissor e receptor de conteúdos, confundem-se e interpenetram-se os processos de emissão, produção, criação ou expressão, por um lado, com os de recepção, interpretação ou decodificação, por outro. Cada vez mais, somos ao mesmo tempo produtores e consumidores de mídia.
E nesse processo dinâmico, todos, cada vez mais, somos autores, difusores e consumidores de informação, e a responsabilidade sobre o conteúdo veiculado também passa a ser compartilhada e coletiva! Tanto os indivíduos quanto os grupos e instituições de comunicação que respondem pela produção do material veiculado pela chamada grande mídia, quanto espectadores, leitores ouvintes e internautas, que desenvolvem os próprios conteúdos a partir do que a mídia veicula, somos, todos e cada um, responsáveis pelo que chamamos de qualidade da mídia. Somos cada vez mais responsáveis pela qualidade das nossas escolhas e respostas, pela forma como nos colocamos diante de cada veículo, pelo que escolhemos ver, ouvir, ler, acessar e pelo que fazemos com tudo isso...
Especialmente no caso de jovens, estamos falando de cidadãos em formação. E, nesse caso é preciso, mais que nunca, falar de responsabilidades.
“Bem-vindo à cultura da convergência, onde velhas e novas mídias colidem, onde a mídia corporativa e a mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis. A cultura da convergência é o futuro, mas está sendo moldada hoje. Os consumidores terão mais poder na cultura da convergência – mas somente se reconhecerem e utilizarem esse poder tanto como consumidores quanto como cidadãos, como plenos participantes de nossa cultura.” (em A Cultura da Convergência, Henry Jenkins, 2008)
Para que se possa tirar o melhor proveito dos meios de comunicação a que se tem acesso, é preciso ser estimulado a colocar-se ativamente com relação a eles; e estamos falando de estímulos que devem vir tanto da família quanto do ambiente social, especialmente dos professores. Afinal, sempre que essa relação de interação com a informação pode ser mediada, acompanhada, orientada por profissionais qualificados, ela tende a se qualificar também. É claro que essa mediação não deve ser confundida com fiscalização ou censura: não se trata de dizer o que pode ou o que não pode – até porque isso não ajuda em nada a formar cidadãos autônomos. Trata-se, sim, de apontar alternativas, mostrar interesse, provocar reflexão.
É importante que nossos jovens cidadãos cresçam entendendo os meios de comunicação como janelas privilegiadas, que colocam o mundo ao nosso alcance, mas... Janelas que exigem atitude crítica, capacidade de selecionar, dentre todo o material disponível, o que lhes interessa para então dele se apropriarem com autonomia, convertendo-o em conhecimento. É importante que entendam que a TV – e a mídia de modo geral - não apresenta a realidade, mas, sim, certos modos de vê-la, certos pontos de vista escolhidos entre os tantos possíveis. É importante, enfim, que os responsáveis pela educação de jovens qualifiquem-se para assumir, efetivamente, suas responsabilidades nesse processo. Vejamos alguns modos de se comprometer, em cada uma das instâncias:
A família pode ajudar a formar sujeitos críticos discutindo os conteúdos veiculados pela mídia, questionando as escolhas de suas crianças e adolescentes - de forma construtiva e respeitosa, sem desmerecê-las, mas estimulando sua curiosidade, desafiando-a a interagir criativamente, instigando-a ampliar seu repertório, a recriar histórias, a brincar com o que viu, a ir além do que recebeu.
Nas salas de aula – os professores podem ajudar a qualificar a interação com os meios, desvendando em sala de aula os elementos que estruturam sua linguagem, propondo aos alunos atividades em que eles se expressem através das diferentes linguagens. Essa experiência os leva a enfrentar mais conscientemente escolhas e desafios, a tomar determinadas decisões estéticas, e a entender que quem faz produtos de comunicação também faz este tipo de escolhas o tempo todo - o que mostrar, como mostrar - e ajuda a criar um olhar mais crítico com relação ao que recebemos. Também é fundamental que os professores e seus gestores passem a considerar o imenso potencial – para debate, reflexão, crítica, pesquisa e aprendizagem - existente em produtos de TV, rádio e Internet e os incluam em seus planejamentos pedagógicos, como recursos, como aliados estratégicos nos processos de ensino-aprendizagem.
A sociedade pode ajudar na construção de uma mídia mais responsável, mais comprometida com princípios éticos e democráticos, colocando-se de forma mais política, organizando-se para fazer valer seu direito de cobrar das empresas de comunicação, públicas e comerciais, que elas pensem o espectador menos como consumidor e mais como cidadão. O processo que culminou na publicação da portaria sobre a classificação indicativa, em 2008, é um ótimo exemplo de parceria entre poder público e sociedade civil, nesse sentido, desde as reflexões e debates às ações que resultaram na proposta de regulamentação.
Portanto, se perguntarem qual é a sua opinião sobre a qualidade da mídia, você estará começando a fazer a sua parte se responder que esta qualidade dependerá sempre de quem faz a mídia - ou seja, de mim, de você, de todos nós.
terça-feira, 6 de abril de 2010
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